Muito do que virá nos parágrafos abaixo vem de mails que
troquei com amigos, conversando sobre “Porto dos mortos” (2008). Dei uma certa
editada, mas preferi manter o tom mais coloquial da correspondência.
Uma coisa
que admiro muito no filme é que o Davi soube construir uma atmosfera, um clima
de suspense, no sentido de haver um crescendo de situações que levam a um
clímax de ação ou de violência. Claro que essa construção, às vezes, não é 100%
- em alguns momentos, as coisas ficam meio arrastadas. Isso não quer dizer,
entretanto, que se trata de um filme hermético ou cabeça, como muito andou se
propagando. O que talvez tenha irritado algumas pessoas que viram o filme (de
acordo com observações que colhi na internet) é que o filme não seja tão direto
(no sentido de ser um filme de zumbi tradicional) ou caia numa paródia. Algumas
seqüências são efetivamente assustadoras, principalmente aquela da menina que
entra num local onde há três zumbis. Aquilo ali tem um puta clima de horror
mesmo.
O roteiro tem uma certa impressão de atirar
para todos os lados: há elementos de filme de zumbi, de filmes de possessão, de
produções apocalípticas na linha Mad Max, até daqueles de ataques mentais (no
estilo de algumas obras do Cronenberg – de certa forma, remete à “Combate”,
curta anterior do próprio Davi), e até um pouco de uma verborragia típica de
produções independentes norte-americana (a grosso modo, meio na linha dos
primeiros filmes do Kevin Smith). Acho que essa profusão de referências tira o
filme do lugar comum, pois abre espaço para muitas situações inusitadas, e que
em boa parte das vezes funcionam. Aliás, gosto dos diálogos do filme. Eles
fogem do naturalismo fácil, e partem para um lado mais icônico, meio simbólico.
A fotografia do filme representa um
trabalho ousado e bem feito. Tem movimentos de câmera e enquadramentos
criativos, a iluminação busca uns tons que fogem do habitual, dá para perceber
um cuidado especial na concepção visual em geral. Acho muito interessante a
disposição dos atores e objetos em cenas, no sentido de posicionamento mesmo, dá
para sentir que teve uma preocupação em dar até uma dimensão épica/barroca para
a coisa toda.
Trabalho de trucagem muito eficiente,
parabéns para o Kapel, é raro a gente ver cenas de ação com tiroteio que sejam
convincentes.
A famigerada questão da dublagem: acho que
o que era uma limitação técnica (a falta de condições de ter uma captação de
som razoável) acabou funcionando como um belo truque estético de “Porto dos
mortos”. A dublagem acentua o lado de estilização forte que o filme tem e
valoriza os diálogos do roteiro. E não considero um “defeito” essa variação de
percepção de quando é dublado ou não. Na realidade, boa parte das produções
italianas e brasileiras até metade dos anos 80 se valia de dublagens e isso não
era um fator impeditivo para apreciação dos filmes. Por vezes, essa “limitação”
até possibilitava vôos criativos para os filmes (e que é o que acontece no
filme do Davi). Além da questão da dublagem, considero que o trabalho de edição
de som do filme é muito bom, é só ver, por exemplo, o barulho que aquele carro
faz, o negócio fica ressoando na cabeça.
Sobre o elenco, no geral, o desempenho é
eficiente. O Rafael Tombini tem uma atuação muito interessante, pois a gente vê
que ele é meio desajeitado para desempenhar um protagonista
durão, mas essa falta de jeito justamente dá um certo charme para o personagem.
No mais, o Álvaro Rosa Costa faz um bom trabalho, o guri metido a engraçadinho
que leva um tiro na cabeça e a menina que faz o vilão estão muito bem no filme.
E mesmo quando os atores não são muito expressivos, dá para perceber que eles
conseguem ter uma presença de cena razoável (como o japonês do início, o cara
do arco e flecha e aquele outro que fica tocando aquela flautinha).
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