sexta-feira, janeiro 18, 2013

Porto dos mortos, de Davi de Oliveira Pinheiro



Muito do que virá nos parágrafos abaixo vem de mails que troquei com amigos, conversando sobre “Porto dos mortos” (2008). Dei uma certa editada, mas preferi manter o tom mais coloquial da correspondência.

Uma coisa que admiro muito no filme é que o Davi soube construir uma atmosfera, um clima de suspense, no sentido de haver um crescendo de situações que levam a um clímax de ação ou de violência. Claro que essa construção, às vezes, não é 100% - em alguns momentos, as coisas ficam meio arrastadas. Isso não quer dizer, entretanto, que se trata de um filme hermético ou cabeça, como muito andou se propagando. O que talvez tenha irritado algumas pessoas que viram o filme (de acordo com observações que colhi na internet) é que o filme não seja tão direto (no sentido de ser um filme de zumbi tradicional) ou caia numa paródia. Algumas seqüências são efetivamente assustadoras, principalmente aquela da menina que entra num local onde há três zumbis. Aquilo ali tem um puta clima de horror mesmo.

O roteiro tem uma certa impressão de atirar para todos os lados: há elementos de filme de zumbi, de filmes de possessão, de produções apocalípticas na linha Mad Max, até daqueles de ataques mentais (no estilo de algumas obras do Cronenberg – de certa forma, remete à “Combate”, curta anterior do próprio Davi), e até um pouco de uma verborragia típica de produções independentes norte-americana (a grosso modo, meio na linha dos primeiros filmes do Kevin Smith). Acho que essa profusão de referências tira o filme do lugar comum, pois abre espaço para muitas situações inusitadas, e que em boa parte das vezes funcionam. Aliás, gosto dos diálogos do filme. Eles fogem do naturalismo fácil, e partem para um lado mais icônico, meio simbólico.

A fotografia do filme representa um trabalho ousado e bem feito. Tem movimentos de câmera e enquadramentos criativos, a iluminação busca uns tons que fogem do habitual, dá para perceber um cuidado especial na concepção visual em geral. Acho muito interessante a disposição dos atores e objetos em cenas, no sentido de posicionamento mesmo, dá para sentir que teve uma preocupação em dar até uma dimensão épica/barroca para a coisa toda.

Trabalho de trucagem muito eficiente, parabéns para o Kapel, é raro a gente ver cenas de ação com tiroteio que sejam convincentes.

A famigerada questão da dublagem: acho que o que era uma limitação técnica (a falta de condições de ter uma captação de som razoável) acabou funcionando como um belo truque estético de “Porto dos mortos”. A dublagem acentua o lado de estilização forte que o filme tem e valoriza os diálogos do roteiro. E não considero um “defeito” essa variação de percepção de quando é dublado ou não. Na realidade, boa parte das produções italianas e brasileiras até metade dos anos 80 se valia de dublagens e isso não era um fator impeditivo para apreciação dos filmes. Por vezes, essa “limitação” até possibilitava vôos criativos para os filmes (e que é o que acontece no filme do Davi). Além da questão da dublagem, considero que o trabalho de edição de som do filme é muito bom, é só ver, por exemplo, o barulho que aquele carro faz, o negócio fica ressoando na cabeça.

Sobre o elenco, no geral, o desempenho é eficiente. O Rafael Tombini tem uma atuação muito interessante, pois a gente vê que ele é meio desajeitado para desempenhar um protagonista durão, mas essa falta de jeito justamente dá um certo charme para o personagem. No mais, o Álvaro Rosa Costa faz um bom trabalho, o guri metido a engraçadinho que leva um tiro na cabeça e a menina que faz o vilão estão muito bem no filme. E mesmo quando os atores não são muito expressivos, dá para perceber que eles conseguem ter uma presença de cena razoável (como o japonês do início, o cara do arco e flecha e aquele outro que fica tocando aquela flautinha).

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