Assistindo a “A parte dos anjos” (2012), do cineasta
britânico Ken Loach, a conexão que mais me veio à mente foi com um dos
primeiros longas de ficção do próprio Loach, “Kes” (1969). Em ambos os filmes, há
a presença de um protagonista desajustado
perante os padrões comportamentais da sociedade, mas que dentro de si esconde
um dom insuspeito. Na visão de Loach, a falha maior não está na incapacidade de
seus personagens em se adaptarem às comunidades em que se encontram, mas sim na
falta de sensibilidade das pessoas em poder reconhecer as potencialidades
desses indivíduos. A insistência do diretor na abordagem de temáticas
semelhantes não se configura como mera repetição, mas sim com uma admirável
coerência artística de Loach, além de revelar a perenidade de seu cinema.
“A parte dos anjos” também revela muito da extraordinária
capacidade narrativa de Loach. Nas mãos de um diretor qualquer, a trama do
filme poderia cair facilmente no campo do sentimentalismo ostensivo ou de
artificiais tons edificantes. Já pelo olhar de “Loach”, o roteiro da produção
ganha um tratamento formal sóbrio, mas também encantador. O registro visual é
objetivo, por vezes beirando o documental, mas esse tratamento estético acentua
de forma considerável a dramaticidade das situações, assim como a empatia com os
personagens. Impressiona também como numa trama de forte caráter social, a
expor a falta de perspectivas para a juventude nas periferias de Glasgow, Loach
consegue inserir com naturalidade uma dinâmica de gênero de “thriller”, sem que
a obra perca o seu tom humanista. Isso é recorrente na cinematografia do cineasta:
a capacidade de ser reflexivo (ou até mesmo panfletário) sobre os problemas
sociais contemporâneos, mas com afiadas noção e dinâmica de espetáculo
cinematográfico.
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