Filmes que procuram ligações entre as linguagens cinematográfica
e teatral não chegam a ser exatamente uma novidade. Por vezes, esses tipos de
produção caem no puro teatro filmado. Por outras, resultam em obras inquietantes,
que reviram os conceitos de tais meios de expressão a um ponto que fica difícil
delimitar onde começa um e termina o outro. Nessa última categoria, pode-se
enquadrar a extraordinária versão recente de “Anna Karenina” (2012) e esse “Vocês
ainda não viram nada!” (2011), de Alain Resnais. O veterano diretor francês
sempre teve uma queda por uma abordagem anti-naturalista, vide obras como “O
ano passado em Marienbad” (1961) e “Meu tio da América” (1980). Na obra em
questão, Resnais propõe uma fusão radical de elementos, com direito inclusive à
metalinguagem. O roteiro parte de uma premissa relativamente simples: um grupo
de atores assiste a uma peça, (uma modernização da lenda de Orpheus e Eurídice),
filmada num grande telão. Aos poucos, essa platéia de intérpretes começa a
interagir com a encenação filmada, a um ponto que há duas (por vezes até três)
narrativas paralelas, ou que se fundem, contando a mesma história. A ação se
expande para fora do espaço “real”, entrando num universo paralelo (é um palco?
É um sonho?). Em alguns momentos, a mesma cena é recontada, como se Resnais
buscasse de forma obsessiva uma nuance específica. É fascinante que ainda assim
o filme fuja do simples experimentalismo – a fluidez da sua narrativa e mesmo o
caráter emocional de sua trama causam forte empatia com o público. A sintonia
artística entre o cineasta e o seu elenco também contribui de forma decisiva
com o impacto sensorial de “Vocês ainda não viram nada!” – é desconcertante a
maneira como os atores variam o tom de suas atuações, passando do ato de
interpretarem a si próprios ao de vestirem a pele dos personagens da peça numa
simples variação de um gesto ou do olhar.
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