O fato de “Era uma vez eu, Verônica” (2012) começar e
terminar com uma grande suruba na praia não configura apenas um gosto pela
sacanagem. No caso do filme, representa também uma declaração existencial de
princípios e que também se revela em sintonia com a própria trajetória da protagonista
Verônica (Hermilla Guedes) no filme. A personagem apenas quer extrair algum
prazer da vida, independentemente das convenções sociais e pequeno-burguesas. Numa
sociedade que defende valores arraigados em fortes tradições morais e
religiosas, ainda que em pleno século XXI, o desejo de liberdade de Verônica
acaba lhe deixando em crise pessoal. Em tempos de neo-conservadorismo e da
assepsia temática e formal da produções oriundas da Globos Filmes, os dilemas e
desejos da protagonista soam profundamente
ousados e inquietantes. A questão da vontade por uma vida mais livre de convenções
de Verônica parece influenciar o próprio tratamento estético concebido pelo
diretor Marcelo Gomes para a sua obra. Se por vezes ele utiliza um registro
objetivo, de tons que beiram o documental, em outros momentos sua câmera é
livre, além dele valorizar uma considerável gama de efeitos visuais em termos
de iluminação e enquadramentos, com o seu áudio enfatizando nuances como
sussurros, gemidos, leves cantarolares. O fato da trilha sonora ser dominada
pelas belas canções da Karine Buhr (uma lasciva combinação de rock, brega e
regionalismos) sublinha com classe as intenções de Gomes. O resultado final
desse conjunto formal é uma obra de efeito sensorial desconcertante, próximo do
espírito libertário da protagonista.
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