Na designação de gênero cinematográfico, “Elena” (2012)
estaria enquadrado como documentário. Afinal, a premissa de sua trama consiste
no relato de um fato real: a trajetória pessoal de uma atriz e bailarina que se
suicidou aos 20 anos. Ocorre que a realizadora do filme é a própria irmã da
figura título, e assim sua concepção foge da simples exposição da “realidade”.
O viés de Petra é bastante pessoal e autoral – para ela, interessa muito mais a
sua impressão personalista, a forma com que as situações da vida de Elena
influenciaram sua vida. Nesse contexto, há momentos em que a produção expande
as fronteiras do documentário, convertendo-se numa narrativa que beira o delírio
e carregada de um simbolismo desconcertante. Em tal viés, a vida de Elena vai
sendo exposta em diferentes camadas. Num nível mais intimista, há um lado de
evidente admiração no olhar de Petra em relação à irmã, em que Elena é vista
quase como uma força da natureza no seu conjunto de beleza, talento e
sensibilidade. Mas o filme avança o mero olhar de pura admiração. Aos poucos,
uma atmosfera um tanto mórbida e doentia toma conta, onde a depressão de Elena
entra em cena de forma devastadora. O filme adquire o aspecto de uma pequena
saga familiar, em que o mal psíquico de Elena não só a leva à morte como
desperta também os demônios interiores da irmã, fazendo lembrar episódios nebulosos
da adolescência da mãe das duas e levando à inquietante dúvida se Petra também
não estaria destinada a um destino semelhante. Há ainda um outro lado na forma
com que o roteiro pode ser visto, em que o político e o intimo se entrelaçam.
Concebida durante a ditadura militar, Elena era filha de perseguidos pelo
regime, nascendo na clandestinidade. Quando vai para Nova Iorque, em 1990, aos
vintes anos, a procura de novos horizontes para sua carreira artística, coincide
com a ascensão de Collor ao poder, e com o isso fim da Embrafilme e, por conseqüência,
do cinema brasileiro. É como se os percalços pessoais de Elena fossem a
manifestação existencial das agruras do Brasil.
Esse volume impressionante de ideias, referências e impressões
recebe um brilhante tratamento formal por parte de Petra Costa (e que lembra
bastante o fantástico documentário norte-americano “Tarnation”). Sua base
inicial são gravações audiovisuais caseiras, e nisso a diretora foi agraciada
pelo fato surpreendente da qualidade de tais registros (alguns deles feitos
pela própria Elena) – há belíssimas cenas de danças, depoimentos reveladores da
biografada, cenas de brincadeiras, pequenas peças. Petra manipula esse farto
material de arquivo numa montagem criativa e de dinâmica extraordinária,
casando com uma trilha sonora arrebatadora. A estética de “Elena” é reflexo do
já aludido viés pessoal da obra, em que os limites da fantasia e do real por
vezes se misturam. Há seqüências em que Petra emula recriações dramáticas da
trajetória de Elena, realiza coreografias de danças, até faz filmagens aquáticas.
Todo esse subjetivismo da diretora gera uma mutação antológica, em que aquilo
que era um drama familiar de alcance aparentemente restrito acabe ganhando uma
dimensão épica e se torne referencial.
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