“Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004), a grande
obra-prima do diretor francês Michel Gondry, marcava uma união que se mostrava
em sintonia brilhante: o roteiro surreal e muito bem amarrado de Charlie
Kaufman (talvez o melhor roteirista norte-americano surgido nos últimos 20
anos) e as criativas concepções visuais de Gondry. Em “A espuma dos dias”
(2013), obra mais recente de Gondry, a falta de um roteiro mais focado parece
ser o fator preponderante para que o filme em questão se mostre como uma
narrativa tão irregular. O diretor ainda se mostra afiado em criar cenas de uma
atmosfera imagética delirante – a Paris de Gondry parece pertencer a uma dimensão
paralela, em que o retrô, o futurista e o onírico se colidem de forma
constante. Dá para dizer que a primeira metade da produção se desenrola como um
sonho desajeitado e simpático, com efeitos especiais e detalhes temáticos que
lembram alguns trabalhos de Jean-Pierre Jeunet (impressão reforçada também pela
presença no elenco de Audrey Tautou, musa de Jeunet). Já a segunda parte do
filme envereda por uma atmosfera sufocante de pesadelo – nesse sentido, a
sensação de bad trip se estabelece justamente quando o filme busca o seu vínculo
maior com a realidade. O problema de “A espuma dos dias” é que essa
multiplicidade sensorial é obrigada a se formatar numa trama de matiz
convencional. O roteiro por vezes se contenta com um certo banalismo, deixando
de explorar vários pontos interessantes que a sua temática tangencia (totalitarismo,
convenções sociais distorcidas). As limitações de uma “love story” levam Gondry
a excessos estéticos que acabam tirando muito do impacto do filme. Mesmo assim,
é uma obra instigante no seu barroquismo exacerbado, mostrando que Gondry ainda
é um nome a se prestar atenção.
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