sexta-feira, outubro 25, 2013

Mistérios de Lisboa, de Raúl Ruiz ****


Os limites entre a literatura e o cinema são muito tênues em “Mistérios de Lisboa” (2010). Não dá para dizer que a primeira é simplesmente adaptada a uma linguagem cinematográfica, pois em vários momentos do filme sentimos que a própria sonoridade dos diálogos e as narrações possui um texto carregado típico de um romance. Na verdade, é como se o diretor Raúl Ruiz fizesse questão de não submeter o texto original a uma adaptação rígida. Isso explica a longa duração do filme (mais de quatro horas). Mas é aí que reside uma das forças criativas do filme: a sua narrativa tem um estranho encanto hipnótico, em que mesmo os exageros românticos do roteiro parecem fazer sentido de forma incrivelmente coerente. Ruiz estabelece um universo próprio em que os detalhes da trama até têm lógica realista, mas a encenação obedece a uma coreografia de falas e ações que pertencem a uma outra esfera de plano narrativo. Diante dessa abordagem artística, o cineasta encontra o pretexto ideal para que enverede em um barroquismo estético estonteante, repleto de nuances que exigem forte atenção do espectador, indo de truques e efeitos visuais de contundente caráter simbólico até uma direção de fotografia de enquadramentos de grande beleza pictórica. E por mais que as ousadias formais de Ruiz estejam impressas em várias passagens de “Mistérios de Lisboa”, a obra está longe de se enquadrar em mero experimento – a dinâmica da sua edição cria uma tensão impactante, fazendo com que a longa metragem do filme dê a impressão de até passar sem que se perceba isso.

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