segunda-feira, outubro 14, 2013

Já não ouço a guitarra, de Philippe Garrel ****


Muito se fala em cinema autoral e pessoal, mas poucos são aqueles cineastas que conseguem gerar uma obra de marca tão indelével e particular quanto o diretor Philippe Garrel logrou em “Já não ouço a guitarra” (1991). Trata-se de uma produção ficcional, mas o próprio Garrel revela que o roteiro é bastante inspirado em fatos de sua vida amorosa com a cantora e modelo alemã Nico, que além de uma expressiva discografia solo também teve participação antológica no fundamental primeiro disco do Velvet Underground. Nesse sentido, é fascinante como um aspecto intimista da vida de Garrel, e que ele aborda de forma bastante visceral, ganha uma dimensão universal no sentido que seu drama amoroso ganha ressonância no imaginário coletivo (afinal, Nico representa um capítulo relevante na história cultural dos últimos 50 anos). Nesse sentido, a habitual estética de Garrel, aqui num de seus momentos de apuro mais elevado, é o veículo mais que ideal para abarcar o seu relato emocional e amargo de um relacionamento que se desintegra. Como entre outras obras do cineasta, sua narrativa não é detalhista . A trama se divide em momentos cujo espaçamento de tempo é aleatório – tanto podem se passar algumas horas entre eles quanto semanas, meses, anos... Em cada um desses trechos, o enfoque é no estado anímico dos personagens e não no contexto histórico deles. Essa sensação de elipses temporais é desconcertante, mas também é muito verdadeiro em termos de construção das situações e personagens. Nessa formatação, não interessa se falar em final feliz ou não para os indivíduos. O que o espectador vê é apenas uma fração das suas vidas, sendo que a conclusão em aberto de “Já não ouça a guitarra” ganha uma conotação de brutal coerência formal e temática.

Nenhum comentário: