Muito se fala em cinema autoral e pessoal, mas poucos são
aqueles cineastas que conseguem gerar uma obra de marca tão indelével e
particular quanto o diretor Philippe Garrel logrou em “Já não ouço a guitarra”
(1991). Trata-se de uma produção ficcional, mas o próprio Garrel revela que o
roteiro é bastante inspirado em fatos de sua vida amorosa com a cantora e
modelo alemã Nico, que além de uma expressiva discografia solo também teve
participação antológica no fundamental primeiro disco do Velvet Underground.
Nesse sentido, é fascinante como um aspecto intimista da vida de Garrel, e que
ele aborda de forma bastante visceral, ganha uma dimensão universal no sentido
que seu drama amoroso ganha ressonância no imaginário coletivo (afinal, Nico representa
um capítulo relevante na história cultural dos últimos 50 anos). Nesse sentido,
a habitual estética de Garrel, aqui num de seus momentos de apuro mais elevado,
é o veículo mais que ideal para abarcar o seu relato emocional e amargo de um
relacionamento que se desintegra. Como entre outras obras do cineasta, sua
narrativa não é detalhista . A trama se divide em momentos cujo espaçamento de
tempo é aleatório – tanto podem se passar algumas horas entre eles quanto
semanas, meses, anos... Em cada um desses trechos, o enfoque é no estado anímico
dos personagens e não no contexto histórico deles. Essa sensação de elipses
temporais é desconcertante, mas também é muito verdadeiro em termos de construção
das situações e personagens. Nessa formatação, não interessa se falar em final
feliz ou não para os indivíduos. O que o espectador vê é apenas uma fração das suas
vidas, sendo que a conclusão em aberto de “Já não ouça a guitarra” ganha uma
conotação de brutal coerência formal e temática.
Nenhum comentário:
Postar um comentário