O diretor norte-americano Spike Jonze continua marcando a
sua filmografia com uma abordagem de idiossincrasias bastante particulares,
ainda que “Ela” (2013) seja o seu filme mais convencional. As sequências com
edição estilo “clipezinho”, por exemplo, representam uma concessão antes impensável
para aquele cineasta de narrativas delirantes como “Quero ser John Malkovich”
(1999) e “Onde vivem os monstros” (2009). Esses momentos de acessibilidade
configuram os pontos fracos desse filme mais recente de Jonze. Mesmo assim, um
filme de Jonze flertando com convencionalismos ainda consegue ser um produto
muito acima da média.
Nesse pequeno conto futurista/existencial que representa “Ela”,
Jonze cria uma ficção científica bastante rica em termos estéticos. As idéias que
apresenta de inovações tecnológicas são coerentes e críveis com a própria
realidade contemporânea (aquele joguinho de video game, por exemplo, com que o
protagonista Theodore se diverte seguidamente é
uma bela sacada tanto pelo design quanto pela ironia), sintetizando também a
natureza asséptica e algo triste daquela sociedade. Nesse sentido, o trabalho
de direção de arte do filme é fenomenal na caracterização de ambientes e situações.
A visão de Jonze para a interação emocional entre sistemas
operacionais e seres humanos impressiona na sua combinação de contundência,
lirismo e lucidez filosófica, tendo também uma simbologia bastante rica e ampla
ao retratar os relacionamentos contemporâneos. Jonze dispensa o simples e fácil
moralismo – na concepção existencial de “Ela”, relacionar-se com uma máquina de
inteligência artificial não configura uma distorção, mas sim uma conseqüência lógica
do mundo pós-moderno, onde a evolução do amadurecimento intelectual e sensorial
de autômatos e afins concebe naturalmente a possibilidade de que estes se
tornem seres mais avançados em todos os sentidos que os próprios humanos pelas
suas infinitas possibilidades virtuais. Nesse sentido, por mais que a obra de
Jonze tenha uma certa aura de melancolia romântica, ela também adquire uma
atmosfera perturbadora de perplexidade e impotência perante a ausência de uma
conclusão moralizante do tipo “nada supera a sagacidade humana”.
Um comentário:
Talvez o filme que venha a se tornar o que melhor sintetiza a nossa sociedade atual.
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