quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Ela, de Spike Jonze ***1/2



O diretor norte-americano Spike Jonze continua marcando a sua filmografia com uma abordagem de idiossincrasias bastante particulares, ainda que “Ela” (2013) seja o seu filme mais convencional. As sequências com edição estilo “clipezinho”, por exemplo, representam uma concessão antes impensável para aquele cineasta de narrativas delirantes como “Quero ser John Malkovich” (1999) e “Onde vivem os monstros” (2009). Esses momentos de acessibilidade configuram os pontos fracos desse filme mais recente de Jonze. Mesmo assim, um filme de Jonze flertando com convencionalismos ainda consegue ser um produto muito acima da média.

Nesse pequeno conto futurista/existencial que representa “Ela”, Jonze cria uma ficção científica bastante rica em termos estéticos. As idéias que apresenta de inovações tecnológicas são coerentes e críveis com a própria realidade contemporânea (aquele joguinho de video game, por exemplo, com que o protagonista Theodore se diverte seguidamente é uma bela sacada tanto pelo design quanto pela ironia), sintetizando também a natureza asséptica e algo triste daquela sociedade. Nesse sentido, o trabalho de direção de arte do filme é fenomenal na caracterização de ambientes e situações.

A visão de Jonze para a interação emocional entre sistemas operacionais e seres humanos impressiona na sua combinação de contundência, lirismo e lucidez filosófica, tendo também uma simbologia bastante rica e ampla ao retratar os relacionamentos contemporâneos. Jonze dispensa o simples e fácil moralismo – na concepção existencial de “Ela”, relacionar-se com uma máquina de inteligência artificial não configura uma distorção, mas sim uma conseqüência lógica do mundo pós-moderno, onde a evolução do amadurecimento intelectual e sensorial de autômatos e afins concebe naturalmente a possibilidade de que estes se tornem seres mais avançados em todos os sentidos que os próprios humanos pelas suas infinitas possibilidades virtuais. Nesse sentido, por mais que a obra de Jonze tenha uma certa aura de melancolia romântica, ela também adquire uma atmosfera perturbadora de perplexidade e impotência perante a ausência de uma conclusão moralizante do tipo “nada supera a sagacidade humana”.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Talvez o filme que venha a se tornar o que melhor sintetiza a nossa sociedade atual.