A estrutura narrativa linear clássica de “12 anos de
escravidão” (2013) pode sugerir, na superfície, uma obra meramente acadêmica e
convencional. O que o diretor britânico Steve McQueen faz na verdade,
entretanto, é uma jogada sutil e perversa. Aproveitando-se de uma formatação típica
de melodrama histórico, o cineasta constrói um filme de estética contundente, não
se furtando de exageros que ampliam ainda mais o impacto sensorial da história
que contra. É claro que ele não chega às raias dos barroquismos e situações
delirantes concebidos por Quentin Tarantino em “Django livre” (2012), mas também
não se prende a uma linguagem apenas realista. Ainda que baseada em fatos
reais, a trama da produção se desenvolve mais como uma odisséia épica repleta
de violência e crueldade. E é nesse ponto que McQueen imprime sua marca
particular – a grande maioria dos personagens brancos é vista em registros
fortemente repulsivos tanto pela covarde brutalidade quanto pela covardia hipócrita
de suas atitudes (Paul Dano, Michael Fassbender e Benedict Cumberbatch
apresentam desempenhos antológicos no tom over de suas interpretações), fazendo
um contraste vigoroso com a nobreza comovente do protagonista
Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor),
enquanto a caracterização gráfica de seqüências brutais envolvendo a degradação,
exploração e espancamento de escravos recebe um detalhismo cênico perturbador
na profusão de sujeira impregnada, sangue espirrando e carnes laceradas. Além
disso, o diretor obtém alguns momentos de crueza impressionantes como aquele em
que Solomon passa horas sob as pontas dos pés pendurado pelo pescoço numa corda
enquanto atos cotidianos se desenrolam em sua volta e até mesmo crianças
brincam. A própria trilha sonora de “12 anos de escravidão” reflete com consistência
as concepções artísticas de McQueen: em algumas cenas sugerem uma solenidade
sentimental típica do gênero, mas em outras enveredam por um tom sinistro,
incorporando opressivos sons ambientais. Tais escolhas formais e temáticas
mostram que para McQueen seu compromisso autoral está muito mais concentrado na
percepção que Solomon tem do inferno que o rodeia do que com um rigor histórico
estéril.
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