quarta-feira, fevereiro 26, 2014

12 anos de escravidão, de Steve McQueen ***1/2


A estrutura narrativa linear clássica de “12 anos de escravidão” (2013) pode sugerir, na superfície, uma obra meramente acadêmica e convencional. O que o diretor britânico Steve McQueen faz na verdade, entretanto, é uma jogada sutil e perversa. Aproveitando-se de uma formatação típica de melodrama histórico, o cineasta constrói um filme de estética contundente, não se furtando de exageros que ampliam ainda mais o impacto sensorial da história que contra. É claro que ele não chega às raias dos barroquismos e situações delirantes concebidos por Quentin Tarantino em “Django livre” (2012), mas também não se prende a uma linguagem apenas realista. Ainda que baseada em fatos reais, a trama da produção se desenvolve mais como uma odisséia épica repleta de violência e crueldade. E é nesse ponto que McQueen imprime sua marca particular – a grande maioria dos personagens brancos é vista em registros fortemente repulsivos tanto pela covarde brutalidade quanto pela covardia hipócrita de suas atitudes (Paul Dano, Michael Fassbender e Benedict Cumberbatch apresentam desempenhos antológicos no tom over de suas interpretações), fazendo um contraste vigoroso com a nobreza comovente do protagonista Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), enquanto a caracterização gráfica de seqüências brutais envolvendo a degradação, exploração e espancamento de escravos recebe um detalhismo cênico perturbador na profusão de sujeira impregnada, sangue espirrando e carnes laceradas. Além disso, o diretor obtém alguns momentos de crueza impressionantes como aquele em que Solomon passa horas sob as pontas dos pés pendurado pelo pescoço numa corda enquanto atos cotidianos se desenrolam em sua volta e até mesmo crianças brincam. A própria trilha sonora de “12 anos de escravidão” reflete com consistência as concepções artísticas de McQueen: em algumas cenas sugerem uma solenidade sentimental típica do gênero, mas em outras enveredam por um tom sinistro, incorporando opressivos sons ambientais. Tais escolhas formais e temáticas mostram que para McQueen seu compromisso autoral está muito mais concentrado na percepção que Solomon tem do inferno que o rodeia do que com um rigor histórico estéril.

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