As noções de linguagem e
narrativa cinematográficas para o diretor chinês Tsai Ming-liang parecem ficar
cada vez mais particulares e arraigadas no seu modus operandi. Para o cineasta,
o segredo da tensão dramática e da força imagética de seus filmes vem muito
mais da sua encenação minimalista do que da sua montagem de poucos cortes. Esse
conceito de cinema chega a um alto grau de depuração em sua obra mais recente, “Cães
errantes” (2013). As características opções estética de Ming-liang encontram
uma ressonância notável dentro da trama do filme em questão. A história de família
de pais e dois filhos ainda crianças, recém abandonados pela mãe, que vaga por
uma grande metrópole chinesa sobrevivendo através de subempregos e recursos
precários de alimentação e moradia poderia facilmente cair em um viés melodramático
caso enveredasse por moldes formais tradicionais. No olhar de Ming-liang,
entretanto, essa saga intimista acaba ganhando uma conotação mais cruel e
contundente. A poesia visual aparece com frequência, mas através de um registro
que extrai um sensorialismo impactante da feiúra desoladora de cenários urbanos
ora de assepsia desumanizada de um grande cenário urbano ora em ruínas
deprimentes de antigas construções. Ming-liang leva o espaçamento temporal de
seus planos-sequência a um limite exasperante, justamente para acentuar o tom
de desespero e amargura de suas criaturas. Nesse sentido, “Cães errantes” tanto
pode ser encarado como um retrato de expressiva simbologia sobre a conversão da
China numa opressiva sociedade consumo como a visão existencial e universal do
desconforto do ser humano no mundo moderno.
Um comentário:
Vc achou que a história foi contada de forma linear? Me pareceu que na metade do filme, o Liang voltou ao início cronológico da trama, com a família ainda unida, antes de a mãe abandonar o lar.
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