A grande sacada do diretor César Oiticica Filho na concepção e
realização de “Hélio Oiticica” (2012), documentário sobre o notável artista plástico
e também seu tio, foi ter formatado o filme em perfeita sintonia artística e
existencial com a própria obra do biografado. Aliás, até o conceito de
cinebiografia acaba um tanto difuso aqui. A produção de Cesar está muito mais
para uma espécie de síntese poética e delirante do pensamento vivo de Hélio do
que para o simples resumo dos fatos que marcaram a vida do seu protagonista. A
força motriz da produção está no belo trabalho de montagem – praticamente não há
cenas filmadas pelo diretor, com a narrativa se desenvolvendo a partir da
combinação de trechos de depoimentos em fitas cassestes com a voz do artista (espécie
de correspondências “faladas” para amigos) com trechos de filmes diversos. É
como se o documentário se aproveitasse da técnica de rearranjar material antigo
para obter um resultado novo e único, emulando, dessa forma, o mesmo princípio
de concepção artística de Hélio, que costumava usar restos e itens de segunda mão
para dar vida aos seus revolucionários parangolés e outras peças criativas. A
impressão sensorial que se tem é a do espectador que é jogado diretamente no
meio da mente de Hélio, vislumbrando tanto suas principais obras como também
suas digressões sobre política, sexo, drogas e arte, entremeadas com intervenções
(imagens, músicas, discursos) de alguns dos mais destacados integrantes da
cultura brasileira de vanguarda ou destoantes dos padrões oficiais (Glauber
Rocha, Haroldo de Campos, Jards Macalé, Jorge Mautner Torquato Neto, Ligia
Clark, entre outros). O resultado final dessa profusão de imagens e palavras é
o perturbador e inquietante retrato não só de um artista desafinando o coro dos
contentes como também de parte de um país que resiste em não se render a um conservador
e sufocante senso comum estético e comportamental.
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