O diretor norte-americano Abel Ferrara concilia de forma insólita
duas temáticas distintas em “O vício” (1995): filosofia e vampirismo. A trama
do filme conta a história de uma doutoranda em Filosofia (Lily Taylor) que
durante o processo de elaboração de sua tese de conclusão de curso acaba sendo
mordida por uma vampira. Assim, suas considerações e divagações sobre ética e a
maldade humana encontram ressonância no seu novo quotidiano de criatura da
noite que se alimenta de sangue humano tendo como cenário uma Nova York sórdida
e decadente. É claro que há um forte elemento irônico em tal roteiro, mas o que
predomina na produção é uma carrega atmosfera de pessimismo e desencanto, com a
fotografia em preto e branco tornando o clima de desesperança ainda maior. A
forma com que a protagonista lida com o seu recém adquirido vício traz uma
acentuada conotação simbólica que se expande para mais de uma interpretação,
indo da metáfora sobre o uso de drogas até uma relação com a disseminação da
AIDS, doença essa que sempre esteve vinculada a uma imagem de castigo divino
contra comportamentos fora dos padrões de “normalidade” (e em se tratando de
Ferrara, católico obsessivo, tal leitura não seria tão surpreendente). Diante
de tais soluções estéticas, fica difícil enquadrar “O vício” como filme de gênero
tradicional, pois o foco da sua narrativa não está exatamente no
desenvolvimento de uma história, mas sim na combinação de uma verborragia filosófica
e moral desconcertante e encenação bastante estilizada de violentos ataques
sanguinolentos. Ainda assim, é uma produção capaz de incitar na plateia um
horror obscuro e o sentimento de desconforto diante às complexidades do mundo
moderno.
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