quinta-feira, setembro 18, 2014

O vício, de Abel Ferrara ***1/2


O diretor norte-americano Abel Ferrara concilia de forma insólita duas temáticas distintas em “O vício” (1995): filosofia e vampirismo. A trama do filme conta a história de uma doutoranda em Filosofia (Lily Taylor) que durante o processo de elaboração de sua tese de conclusão de curso acaba sendo mordida por uma vampira. Assim, suas considerações e divagações sobre ética e a maldade humana encontram ressonância no seu novo quotidiano de criatura da noite que se alimenta de sangue humano tendo como cenário uma Nova York sórdida e decadente. É claro que há um forte elemento irônico em tal roteiro, mas o que predomina na produção é uma carrega atmosfera de pessimismo e desencanto, com a fotografia em preto e branco tornando o clima de desesperança ainda maior. A forma com que a protagonista lida com o seu recém adquirido vício traz uma acentuada conotação simbólica que se expande para mais de uma interpretação, indo da metáfora sobre o uso de drogas até uma relação com a disseminação da AIDS, doença essa que sempre esteve vinculada a uma imagem de castigo divino contra comportamentos fora dos padrões de “normalidade” (e em se tratando de Ferrara, católico obsessivo, tal leitura não seria tão surpreendente). Diante de tais soluções estéticas, fica difícil enquadrar “O vício” como filme de gênero tradicional, pois o foco da sua narrativa não está exatamente no desenvolvimento de uma história, mas sim na combinação de uma verborragia filosófica e moral desconcertante e encenação bastante estilizada de violentos ataques sanguinolentos. Ainda assim, é uma produção capaz de incitar na plateia um horror obscuro e o sentimento de desconforto diante às complexidades do mundo moderno.

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