O que diferencia “Blackfish” (2013) dos inúmeros documentários
televisivos sobre animais e natureza é a sua contundente concepção artística e
existencial. Ao invés de fazer um simples libelo ecológico, o filme da diretora
Gabriela Cowperthwaite apresenta uma visão sombria e pessimista sobre a própria
natureza do comportamento humano, pois o que horroriza a quem assiste à produção
em questão, na realidade, não são os episódios violentos em que as orcas “amestradas”
de parques aquáticos mutilam ou matam seus treinadores. A verdadeira crueldade
exposta na obra está no doloroso processo de captura e treinamento dos animais.
O descaso e a ganância dos “proprietários” das orcas levam a um gradual e
irreversível avanço de danos mentais aos animais, resultando em bichos
transtornados e imprevisíveis em seus acessos de fúria. Cowperthwaite traça uma
narrativa tensa, detalhista e repleta de um sutil subtexto crítico aos valores
morais da sociedade ocidental. Em um dos momentos mais devastadores de “Blackfish”,
cientistas explicam aspectos peculiares da psique das orcas, demonstrando que a
estrutura de seus cérebros as tornam socialmente mais sensíveis que os próprios
seres humanos e fazendo, por conseqüência, que os relacionamentos entre elas
sejam mais complexos em termos de estruturas afetivas e familiares. Em
contraponto desconcertante, o documentário também apresenta homens e mulheres,
em sua maioria, bestificados por dinheiro, entretenimento fácil e alienação
conveniente. Nessa oposição se encontra talvez o ponto de maior transcendência
do trabalho de Cowperthwaite. Nem a aparente conclusão conciliatória e
esperançosa de “Blackfish” consegue apagar essa incômoda impressão.
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