Depois do formalismo dinâmico e exuberante de “A Esquiva” (2003) e “O Segredo do Grão” (2007), o diretor Abdellatik Kechiche se volta para uma narrativa mais contemplativa em “Vênus Negra” (2010). Tal opção estética não é aleatória – a abordagem do diretor se relaciona diretamente a uma visão naturalista sobre o emblemático caso da africana Saartjie Baartan (Yajima Torres), que excursiona pela Inglaterra e França do século XIX, exposta e explorada como se fosse uma aberração de um freak show. Por mais metafórica que a situação mote do roteiro possa ser, Kechiche é inclemente na descrição da trajetória da protagonista. O rigor da encenação e a ausência de trilha sonora criam uma atmosfera desapaixonada, dispensando o sentimentalismo fácil que uma trama como essa poderia gerar. E se nas mencionadas obras anteriores do cineasta havia um erotismo latente como símbolo de vida, em “Vênus Negra” a sensualidade ganha uma dimensão sinistra. Sempre que o sexo entra em cena, é num contexto de degradação. Isso fica evidente na seqüência antológica em que Saartjie faz uma apresentação em uma orgia entre nobres, com Kechiche extraindo uma ambientação de decadência perturbadora semelhante àquela de “Saló ou os 120 Dias de Sodoma” (1975).
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