segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Quando eu era vivo, de Marco Dutra ***1/2


O cinema de horror contemporâneo tem duas grandes vertentes – uma, mais tradicionalista, recicla narrativa e temáticas clássicas do gênero, enquanto que a outra, mais “moderninha”, usa e abusa daquela estética “câmara subjetiva”, em que o registro é aparentemente amador para que se dê uma ideia de maior realismo. De certa forma, a produção brasileira “Quando eu era vivo” (2012) até se vale de alguns dos preceitos de tais vertentes, mas a via criativa pela qual envereda é diversa. A trama se vale de elementos recorrentes na filmografia do terror, evocando segredos de um passado obscuro, personagens misteriosos, possessão demoníaca, alma penadas, ainda que o roteiro do filme permaneça de forma constante numa fronteira tênue entre o horror metafísico e o suspense psicológico. Em algumas seqüências, o diretor Marco Dutra se apropria do recurso de filmagens caseiras, mas de forma econômica e sem usar como desculpa para inserir um registro tosco. Mas catalogar a produção em questão na categoria terror seria impreciso. Por mais que a obra de Dutra tenha momentos assustadores (e realmente tem), o que ela sugere mais é um drama de tons fantásticos a tratar sobre as relações familiares e a loucura humana, carregando bastante no simbolismo. Nesse sentido, a transformação que o apartamento que serve de cenário para história passa é exemplar – de um asséptico recanto tipicamente classe média atual para um local mal iluminado repleto de móveis antigos, enfeites cafonas e imagens religiosas nos moldes de um tradicional lar católico de meados do século XX. E nisso reside um dos aspectos mais fascinantes de “Quando eu era vivo”: a obsessão de Júnior (Marat Descartes) em reconstituir fisicamente o seu passado e descobrir supostas mensagens crípticas deixadas por sua mãe traz uma rica carga metafórica na busca nostálgica da inocência perdida e de um amor familiar deteriorado pela busca do pai (Antônio Fagundes) pelo conforto pequeno-burguês. O roteiro do filme é desconcertante na maneira sutil com que lida com esse jogo de aparência e com a inversão de expectativas. Em pequenas nuances narrativas, que vão de estranhas e evocativas melodias musicais ao aparecimento nada aleatório de objetos corriqueiros, a trama desconcerta o espectador ao preservar a visão singular do escritor Lourenço Mutarelli, autor do romance que deu origem ao filme – a de que é mais humano permanecer unidos na loucura do que desagregados pela suposta normalidade. E nesse viés, a climática conclusão da obra apenas reforça a impressão de “Quando eu era vivo” como um dos momentos mais comoventes da filmografia brasileira recente.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Já é um dos grandes filmes brasileiros desse ano.