segunda-feira, março 31, 2014

Prenda-me, de Jean-Paul Lilienfeld ***


A recente estreia no Brasil da produção francesa “Prenda-me” (2012) acabou ganhando uma inesperada ressonância com fatos recentes do nosso país. O filme em questão versa de forma bastante contundente sobre violência doméstica contra a mulher e da hipocrisia da sociedade em encarar esse assunto. Por esses lados, faz poucos dias que se divulgou o resultado de uma pesquisa de âmbito nacional em que a grande maiorias dos questionados responde que em estupros as vítimas são grandes responsáveis pelo ato violento devido à forma com que se vestem e que casos de violência de marido contra a esposa devem se resolver no recesso do lar. Se num primeiro momento o resultado dessa pesquisa pode parecer, além de aterrador, surpreendente, ao se assistir a “Prenda-me” tal fato acaba ganhando uma melancólica naturalidade. A formatação adotada pelo diretor Jean-Paul Lilienfeld acentua o impacto da polêmica temática – ao invés de um tom puramente naturalista, a narrativa adota estrutura e atmosfera kafkanianas, beirando por vezes o delirante, ao contar a história de uma mulher (Sophie Marceau) que deseja ser presa pelo assassinato do seu brutal marido (Marc Barbé), ocorrido há quase 10 anos, por não suportar a pressão de uma sociedade machista, mas que encontra empecilhos por questões burocráticas e morais de uma policial (Miou-Miou). Em alguns momentos, principalmente quando se concentra no embate das duas personagens femininas no ambiente fechado de uma delegacia de polícia, o filme adota uma encenação quase teatral. Já quando o filme se volta para flashbacks, Lilienfeld recorre a uma câmera subjetiva, emulando o próprio olhar da personagem que sofre espancamentos do esposo, sendo que o resulto é perturbador. E a conclusão de “Prenda-me” é de uma coerência arrasadora, em admirável sintonia com a estética intrincada e o amargo conteúdo textual da obra, ao não abrir concessões e facilidades sentimentais para as personagens e mesmo para o espectador.

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