A recente estreia no Brasil da produção francesa “Prenda-me”
(2012) acabou ganhando uma inesperada ressonância com fatos recentes do nosso país.
O filme em questão versa de forma bastante contundente sobre violência doméstica
contra a mulher e da hipocrisia da sociedade em encarar esse assunto. Por esses
lados, faz poucos dias que se divulgou o resultado de uma pesquisa de âmbito
nacional em que a grande maiorias dos questionados responde que em estupros as
vítimas são grandes responsáveis pelo ato violento devido à forma com que se
vestem e que casos de violência de marido contra a esposa devem se resolver no
recesso do lar. Se num primeiro momento o resultado dessa pesquisa pode
parecer, além de aterrador, surpreendente, ao se assistir a “Prenda-me” tal
fato acaba ganhando uma melancólica naturalidade. A formatação adotada pelo
diretor Jean-Paul Lilienfeld acentua o impacto da polêmica temática – ao invés
de um tom puramente naturalista, a narrativa adota estrutura e atmosfera
kafkanianas, beirando por vezes o delirante, ao contar a história de uma mulher
(Sophie Marceau) que deseja ser presa pelo assassinato do seu brutal marido
(Marc Barbé), ocorrido há quase 10 anos, por não suportar a pressão de uma
sociedade machista, mas que encontra empecilhos por questões burocráticas e
morais de uma policial (Miou-Miou). Em alguns momentos, principalmente quando
se concentra no embate das duas personagens femininas no ambiente fechado de
uma delegacia de polícia, o filme adota uma encenação quase teatral. Já quando
o filme se volta para flashbacks, Lilienfeld recorre a uma câmera subjetiva,
emulando o próprio olhar da personagem que sofre espancamentos do esposo, sendo
que o resulto é perturbador. E a conclusão de “Prenda-me” é de uma coerência
arrasadora, em admirável sintonia com a estética intrincada e o amargo conteúdo
textual da obra, ao não abrir concessões e facilidades sentimentais para as
personagens e mesmo para o espectador.
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