quarta-feira, março 12, 2014

São Silvestre, de Lina Chamie ***1/2


Num primeiro momento, a categoria em que se poderia enquadrar “São Silvestre” (2013) seria a de documentário. No desenrolar da obra em questão, entretanto, o enquadramento nesse gênero fica cada vez mais nebuloso. Isso porque a diretora Lina Chamie parece se interessar mais em conceber uma obra de cunho sensorial, preferindo evocar sensações e sentimentos do que fazer um registro objetivo e informativo. Nas seqüências iniciais, boa parte do trajeto da corrida de São Silvestre é filmado pela perspectiva de um corredor solitário. Pega-se diversos ângulos do atleta e da cidade de São Paulo. É provável que no início o espectador até fique um pouco tonto, pois a câmera emula o balançar do ato de correr. Aos poucos, o olhar entra nessa sintonia, e assim os cenários e os próprios sentidos daquele corredor vão ganhando um novo significado. Chamie usa temas de música clássica de forma pontual, como se quisesse sublinhar um clímax em particular. E é aí nesse ponto que a formatação de “São Silvestre” se torna mais ambígua – o trabalho de edição e a encenação mais aproximam o filme da recriação/ficção do que um pretenso “cinema verdade”. Na segunda parte da produção, a cineasta foca a narrativa numa edição da corrida em questão. O registro de Chamie é detalhista, enfatizando vários aspectos dos bastidores da prova e de seus participantes. Quando a corrida começa, a estética particular de Chamie volta à ação, e o resultado é ainda mais impressionante, principalmente pela direção de fotografia que obtém uma dimensão épica para aquela multidão de anônimos e tipos exóticos que tomam as ruas da cidade, fazendo lembras aquelas “sinfonias visuais/musicais” de Godfrey Reggio em “Koyaanisqatsi” (1982) e “Powaqqatsi” (1988). As intervenções com o ator Fernando Alves Pinto correndo em meio aos demais competidores acentuam a atmosfera de estranheza da obra. Chamie parece se interessar pela São Silvestre mais como fenômeno popular do que como evento esportivo, pois quando o registro se concentra nos atletas de ponta, a ambientação do filme se torna seca e sem efeitos, mas quando os populares entram em cena a produção ganha uma conotação grandiosa, beirando o épico, o que fica evidente quando eles atravessam a linha de chegada. E são escolhas artísticas como essa que tornam “São Silvestre” uma obra tão desconcertante e intrigante.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Assisti esse filme no final de semana e pretendo escrever sobre ele amanhã