Num primeiro momento, a categoria em que se poderia
enquadrar “São Silvestre” (2013) seria a de documentário. No desenrolar da obra
em questão, entretanto, o enquadramento nesse gênero fica cada vez mais
nebuloso. Isso porque a diretora Lina Chamie parece se interessar mais em
conceber uma obra de cunho sensorial, preferindo evocar sensações e sentimentos
do que fazer um registro objetivo e informativo. Nas seqüências iniciais, boa
parte do trajeto da corrida de São Silvestre é filmado pela perspectiva de um
corredor solitário. Pega-se diversos ângulos do atleta e da cidade de São
Paulo. É provável que no início o espectador até fique um pouco tonto, pois a
câmera emula o balançar do ato de correr. Aos poucos, o olhar entra nessa
sintonia, e assim os cenários e os próprios sentidos daquele corredor vão
ganhando um novo significado. Chamie usa temas de música clássica de forma
pontual, como se quisesse sublinhar um clímax em particular. E é aí nesse ponto
que a formatação de “São Silvestre” se torna mais ambígua – o trabalho de edição
e a encenação mais aproximam o filme da recriação/ficção do que um pretenso “cinema
verdade”. Na segunda parte da produção, a cineasta foca a narrativa numa edição
da corrida em questão. O registro de Chamie é detalhista, enfatizando vários aspectos
dos bastidores da prova e de seus participantes. Quando a corrida começa, a estética
particular de Chamie volta à ação, e o resultado é ainda mais impressionante,
principalmente pela direção de fotografia que obtém uma dimensão épica para
aquela multidão de anônimos e tipos exóticos que tomam as ruas da cidade,
fazendo lembras aquelas “sinfonias visuais/musicais” de Godfrey Reggio em “Koyaanisqatsi”
(1982) e “Powaqqatsi” (1988). As intervenções com o
ator Fernando Alves Pinto correndo em meio aos demais competidores acentuam a
atmosfera de estranheza da obra. Chamie parece se interessar pela São Silvestre
mais como fenômeno popular do que como evento esportivo, pois quando o registro
se concentra nos atletas de ponta, a ambientação do filme se torna seca e sem
efeitos, mas quando os populares entram em cena a produção ganha uma conotação
grandiosa, beirando o épico, o que fica evidente quando eles atravessam a linha
de chegada. E são escolhas artísticas como essa que tornam “São Silvestre” uma
obra tão desconcertante e intrigante.
Um comentário:
Assisti esse filme no final de semana e pretendo escrever sobre ele amanhã
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