Mais do que simplesmente um documentário político, “O
mercado de notícias” (2014) tem a cara de uma obra que retrata as obsessões
formais e temáticas de um artista, no caso, o diretor Jorge Furtado. Tanto a
obra tem esse forte caráter pessoal que o próprio cineasta se coloca como
personagem ativo de seu filme por várias vezes – ele interage de forma
ostensiva com os entrevistados, debate com os atores que atuarão na peça de Ben
Jonson epônima do filme, fala diretamente para a câmera. Mesmo em entrevistas
de divulgação da produção Furtado faz questão de ressaltar a sua ideologia para
enfatizar o tom subjetivo do filme. Dentro de tais concepções estéticas e
textuais, “O mercado de notícias” se filia a uma vertente de documentários cujos
limites entre a verdade e a ficção ficam imprecisos, difusos, e que vem se
tornando recorrentes no cinema nacional dos últimos anos, vide produções como “Elena”
(2012) e “Mataram meu irmão” (2013). E isso pode parecer até contraditório para
um filme onde se fala tanto na “verdade factual”. Esquerdista declarado, o
diretor deixar claro que ao discutir o papel da imprensa na sociedade contemporânea
está fazendo por vias indiretas a defesa do governo federal petista. Discutível
ou não em suas intenções panfletárias, entretanto, também é inegável que “O
mercado de notícias” é o longa-metragem mais sanguíneo, autoral e ousado
lançado por Furtado. Aqueles acostumados com a verborragia metida a espertinha
e a encenação indulgente de trabalhos como “Meu tio matou um cara” (2004) e “Saneamento
básico” (2007) levarão um susto com a contundente mistura de preceitos de
cinema verdade e tomadas de ensaios e encenação da referida peça teatral de
Jonson. Por vezes essa combinação não encaixa de maneira tão precisa, fazendo
com que o texto de Jonson fique de difícil compreensão, mas em outros momentos
a boa edição de Giba Assis Brasil faz com que a fusão de cinema e teatro atinja
uma síntese bastante eficiente. No quesito montagem, vale ainda mencionar que a
formatação da narrativa, principalmente quando Furtado adota a linha “investigativa”,
faz lembrar alguns maneirismos de obras clássicas da cinematografia política
como “Z” (1969) e “JFK – A pergunta que não quer calar” (1991). No final das
contas pode ser que alguém discorde das teses sócio-políticas de “O mercado de
notícias”, mas também não deixará de se surpreender com essa volta de um
Furtado mais inventivo, nos moldes daquele que encantou muita gente com o antológico
curta-metragem “Ilha das Flores” (1989).
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