A trajetória artística do diretor sul-africano Richard Stanley é bastante emblemática do comportamento da indústria do cinema nas últimas décadas. Diretor de clássicos cult do gênero fantástico na virada anos 80 para os 90 ("Hardware - O destruidor do futuro", Dust Devil - O colecionador de almas"), Stanley viu as oportunidades para filmar minguarem de forma considerável pelo fato do sua abordagem autoral do cinema de gênero (principalmente na vertente horror) não encontrar espaço em um mercado cada vez mais asséptico e despersonalizado. Assim, a forma de se ver alguma produção recente de Stanley é em trabalhos independentes como esse "Um outro mundo" (2013). Na primeira impressão, trata-se de um documentário onde o cineasta fala sobre a região francesa Montségur, onde reside na atualidade, e que segundo Stanley seria local onde há uma espécie de portal para outras dimensões. A narrativa é um híbrido esquisito entre técnicas documentais tradicionais e encenações de experiências místicas transcendentais do diretor. Pode até ser que o espectador ache tudo uma grande picaretagem em relação às teorias metafísicas de Stanley e de alguns dos idiossincráticos depoentes que aparecem ao longo da trama, mas periga também ficar fascinando pela engenhosidade de uma narrativa envolvente na exposição de histórias fantásticas e pelas peculiares visões de mundo expostas pelos seus personagens outsiders. Além disso, tal junção entre realidade e fantasia também serve como libelo pessoal de Stanley contra uma sociedade ocidental cada vez mais imersa num modo de visa desumanizado e repressor, onde não há espaço para a fantasia e a criatividade. "Um outro mundo" também reforça o forte caráter autoral que sempre marcou a cinematografia de Stanley - as mulheres guerreiras, a visão desesperançada em relação ao futuro e o gosto pelo fantástico são elementos que frequentemente nortearam as produções do cineasta.
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