A trama de “Era uma vez na Anatólia” (2011) tem como eixo
principal o processo de investigação de um assassinato numa cidadezinha no
interior da Turquia. Essa descrição da premissa do roteiro, entretanto, seria
apenas a ponta do iceberg. O crime em questão e mesmo a sua motivação não são
expostos de forma explícita ou mesmo nem são mostrados. Em boa parte da duração
do filme, na realidade, o foco está na procura do corpo da vítima. O diretor
Nuri Bilge Ceylan usa os rudimentos da narrativa de gênero policial para fazer
uma espécie de sóbrio épico existencial. Policiais e suspeitos envolvidos na
investigação são caracterizados com consistente crueza e humanidade – são pessoas
simples nos seus pensamentos, confusos em suas atitudes e por vezes mesmo
brutais na incapacidade de lidar com o mundo. O promotor e o médico que
acompanham o procedimento, de forma simbólica representantes de outra classe
social, são indivíduos amargos e distantes. Ao percorrerem vastos campos para
localizar o corpo da vítima, o que fica evidente são as inquietações pessoais
de todos esses personagens, como se o crime que investigassem fosse um
catalisador de suas frustrações e demônios internos. O estilo de filmar cerebral
e repletos de nuances de Ceylan oferece uma moldura formal em perfeita sintonia
artística com os questionamentos temáticos de “Era uma vez na Anatólia” – as longas
tomadas fixas são expressivas tanto pela notável composição visual da direção
de fotografia quanto pela serena dramaticidade da severa encenação concebida
pela cineasta. As conclusões dos conflitos da trama e mesmo as atitudes e
intenções dos personagens ganham um caráter enigmático e obscuro, pois para a
obra de Ceylan interessa muito mais a constatação dos desígnios insondáveis do
destino e da natureza humana do que as soluções fáceis para deixar amarradas
todas as pontas soltas de uma história. Essa tendência pela imprecisão e a
falta de grandes certezas é justamente um dos aspectos mais fascinantes de “Era
uma vez na Anatólia”.
Um comentário:
Filme poderoso e que mereceu fazer parte da sessão de reabertura do Cine Capitólio.
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